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Marielle e Edson Luis, os ideais de 1968 e a hora dos artistas

15 de março de 2018

Edson e Marielle

Daqui a exatos 13 dias, em 28 de março, completam-se 50 anos do assassinato do estudante Edson Luis de Lima Souto, morto pela Polícia Militar no restaurante Calabouço. Seguiu-se a este acontecimento terrível uma série de fatos que culminaram na Passeata dos 100 mil. “Pode-se dizer que tudo começou ali - se é que se pode determinar o começo ou o fim de algum processo histórico. De qualquer maneira foi o primeiro  acontecimento que sensibilizou a opinião pública para o movimento estudantil”, escreveu Zuenir Ventura no livro 1968 O ano que não terminou. 

Os artistas, naquele momento, tiveram um papel decisivo. Estiveram ao lado dos estudantes, nas escadarias da Assembleia Legislativa, na Cinelândia, onde foi velado, personalidades como Norma Bengell, Nara Leão, Di Cavalcanti, Leon Hirzman, Nelson Motta, Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel. O País explodiu em revolta. A imprensa, que não sofria, até então, censura completa, estampou nas primeiras páginas a palavra “assassinato”. O enterro, no Cemitério São João Batista transformou-se em um ato político e parou a cidade. A Missa, em 02 de abril, na Igreja da Candelária, reuniu milhares de manifestantes. Assim a revolta espalhou-se por todo o País ativando uma corrente elétrica de protestos que, por fim, marcou  o ano de 1968 em todo mundo. E os artistas entraram em cena, em todos os campos da Cultura e da Arte. 

No mesmo Rio de Janeiro, 50 anos depois, a vereadora negra Marielle Franco é executada em plena rua. Este acontecimento tem dimensão simbólica semelhante àquela tarde/noite de 68. Mesmo que o contexto histórico seja completamente diferente. A professora Heloisa Starling, em conversa com este colunista, disse que “o episódio do Calabouço está no centro de uma luta pela democracia - que colapsou por obra do golpe militar. Lutar pela democracia é sempre uma luta por direitos. Os conjurados baianos são parte da origem dessa luta - a história do Brasil é também a história de uma longa luta da população por direitos. O que eu acho que aproxima a Marielle da conjuração baiana é que ambos estão lutando pela expansão de direitos à população pobre e negra. E são silenciados exatamente por conta disso. A violência contra quem se mete nessa luta é impressionante. Está na raiz da nossa sociedade escravista e continua agindo à vista de todos. Nada mudou”, conclui. 

A professora Heloisa Starling argumenta que a trajetória da vereadora Marielle é uma extensão da história do conjurados baianos de 1799. “Eles pretendiam levar a cabo a democracia no Brasil. Defendiam uma proposta radical de extensão de igualdade: recomendavam incorporar à cidadania pessoas desiguais econômica e socialmente, com interesses opostos e, talvez, muito distintos uns dos outros. Igualdade fazia parte do repertório da conjuração. Lucas Dantas um dos líderes da Conjuração dizia a João de Deus seu companheiro de Conjuração:  “Há de se fazer uma guerra civil entre nós para que não se distinga a cor branca, parda e preta [...] só então seremos felizes, sem exceção de pessoa”. Foram enforcados na cidade de Salvador, na manhã de 8 de novembro de 1799. O governador da Bahia, Fernando José de Portugal e Castro seguiu com estudada ferocidade e uma boa dose de cálculo político, o ritual espetaculoso de infligir uma punição brutal aos rebeldes”, completa a historiadora. 

Por motivos diferentes e iguais, Edson Luis e Marielle se aproximam, colados à palavra liberdade - ou talvez, voltando às origens, à palavra libertação. Palavra antiga que se moderniza, à luz das relações de força, truculência e disputa de territórios no Rio de Janeiro. Edson Luis foi morto a tiros na Av. Infante Dom Henrique, no Flamengo e Marielle na Rua Joaquim Palhares, no Estácio, ambos na região central, distantes oito quilômetros um do outro, e 50 anos de intervalo.

Iguais ou desiguais, histórica ou simbolicamente, os dois episódios tem em comum o ingredientes libertário, marca do ano de 1968. Resta saber se os artistas, elos de ligação entre todos, vão entrar em cena e repetir - não desta vez como tragédia, a história recente brasileira.