fbpx

No xadrez das letras, o melhor da FLIP é o SESC… e as CAPA’s

29 de julho de 2018

Afonso Borges com a atriz Fernanda Montenegro

CAPA’s é invenção minha, vou logo dizendo. CAPA’s é a sigla do fenômeno que a FLIP provocou: as casas parceiras. Poderia ser “Caspa’s”. Mas decidi não fazer blague. Mesmo sabendo que poderiam ser, afinal, elas não são aquelas coisas brancas que se espalham pelo ombro? A ideia é esta, tem sentido. As CAPA’s. são 22 instituições que alugam as casas de Paraty e promovem uma outra Festa dentro da Festa - é incrível.

“Eu fico incrível com isso”, como brinca o meu querido cumpadre, arquiteto Gustavo Penna. Incrível porque, em um contraponto em dissenso, a Flip veio, se instalou, e não venceu. Explico: o Hay Festival, dirigido com o pulso firme de Cristina Fuentes tem a mesma idade da FLIP. Cartagena das Índias era conhecida como um hub de tráfico, prostituição e negócios escusos. Isso acabou. E acabou por causa da ação cultural decisiva da literatura, que transformou o realismo mágico de Gabriel García Marquez em leitura civilizatória. O festival se espalha por toda a Colômbia, durante o ano. A literatura como cura. Já na FLIP, como relata Patricia Campos Mello, na Folha de S. Paulo de hoje, “na quinta, enquanto a plateia na tenda da Flip escutava as gravações de Hilda Hilst tentando falar com mortos, a polícia fazia uma operação para prender os chefes do tráfico no bairro da Gabriela."

Mas é papel da FLIP resolver o problema do tráfico em Paraty? Perguntarão os cínicos. Sim, porque não? A Cultura, entendida como traçado civilizatório tem este tempero no caldeirão gastronômico. Ao mesmo tempo, não - afinal, o papel da literatura, enquanto arte, é ser arte. E pronto. Mas este traço revolucionário não isenta a leitura e a literatura das transformações. Ao contrário, todas as grandes revoluções - ou evoluções, como cobrou o meu mais antigo novo amigo, o Matheus - saíram das páginas dos livros.

Mas eu não sei porque o texto tomou este caminho, quando queria apenas ressaltar o papel discricionário do SESC e das CASA’s (ou CASPA’s) na FLIP. Neste ponto, compreendo: O SESCP SP faz, há trinta anos, sob o comando de Danilo Santos de Miranda, a sua revolução própria, em São Paulo. As 36 unidades, verdadeiras ilhas suspensas no caos das cidades, mostram, diariamente, como se pode mudar o mundo através da arte - e do esporte, porque não? E isso é contagioso. A leitura é uma vacina que previne a barbárie.

A presença de Dona Fernanda Montenegro com o livro produzido pelas Edições Sesc é o belo exemplo. Um livro que custou oito anos de elaboração, de cuidados e planejamento. Uma senhora do século passado que entrou no XXI como um emblema da palavra mais importante do mundo: respeito. O SESC SP, neste sentido, proporcionou à FLIP o sal da terra. Além disso, anunciou a construção de mais uma unidade, o SESC RJ no bairro Caboré. O espelho reflete bem o exemplo: as 22 CAPA’S (CASPA’s) que trazem uma programação repleta de conteúdo, bons autores e autoras, transformando a FLiP em uma grande Festa do mundo literário, como deve ser.

Segurei, durante infinitos 15 minutos, a mão de Dona Fernanda Montenegro, após a sua fala na Casa Sesc Santa Rita. Sentada no sofá, ao lado de Danilo e Cléo Miranda, falamos sobre um pouco de tudo na vida, lembranças, resumos, falas soltas. Me falou do choro incontido de seu pai, ao receber o soldo de aposentado, ao final do Governo Juscelino Kubitschek, quando a inflação bateu no teto graças à construção de Brasília. E de teatro, de Fernando, seu marido e da crise- sim, a crise. Nesta, a melhor fala, praticamente uma oração, que vou repetir, como um mantra: “Afonso, chega. É hora de vencer o mal”.

É hora de vencer o mal. Chega.