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O pijama, o fim da privacidade e os olhos do Google

2 de fevereiro de 2019

Olhos de Google

– Isso não tem mais a mínima importância! Todo mundo pede o CPF! Surgiu uma voz,  no meio da fila.

 – E eu não quero dar! Eu já paguei a conta inteira, aí resolvi pedir mais um chicletes e ela quer meu PCF de novo!

 – Mas isso é muito comum, meu filho, insistiu a voz, agora, nítida, de um senhor idoso.

 – Com o meu CPF, eles ficam sabendo das minhas preferência de compra. Eles só querem melhorar o negócio deles! Eu não vou dar meu CPF de novo!

 – ….

 Isso foi há muitos anos, na fila de uma farmácia. Hoje, o Google controla todos os seus movimentos físicos e cerebrais. Acabaram de inaugurar uma nova geringonça no Shopping. Quando você entra, um sensor lê suas ondas cerebrais. No curto trajeto entre a porta e o interior da loja, uma mensagem é enviada a um ponto, do tamanho de um alfinete, na orelha do vendedor.  Antes de você dizer o que quer, ele chega com o pijama de linho preto e branco.

Privacidade é uma palavra obsoleta. Todos são visíveis, de um canto a outro no planeta. Antigamente, eram necessários os celulares para determinar a geolocalização. Hoje, sensores termodinâmicos, aliados a fatores corporais, como identificação por íris e luminosidade da aura são tão eficientes quanto. Não existem mais prisões. Os condenados vivem com implantes no lóbulo frontal. Caso saiam de perímetro definido em sua pena, normalmente,  o quarto de sua casa… PUFFF… viram geléia.

A liberdade de expressão é total mas não existem veículos de comunicação. As mensagens são enviadas por sistemas invisíveis, acoplados ao globo ocular, similares às antigas lentes de contato. São aparelhos sofisticadíssimos, que lembram um pouco o funcionamento dos celulares no início do século XX. No entanto, tudo é holográfico e definido pelo movimento da retina: emails, mensagens, áudios. Em especial, os aplicativos. Eles determinam a gestão de quase tudo na terra. Existem para monitorar, ensinar, vigiar, autorizar e até mesmo liberar, se for o caso.

Não existe mais a Justiça como você imagina. Os advogados, juízes, promotores, resumem-se em um super computador x réus.  É claro que eles garantem que as máquinas tem Inteligência Artificial.  Os crimes são analisados e julgados em fração de segundos. E as penas aplicadas instantaneamente. Não cabem recursos porque não há erros. Os computadores reúnem informações jurídicas de todos os tempos, há séculos.

O crescimento demográfico está controlado graças ao avanço da Ciência, que descobriu há dezenas de anos, o gen da vida. A história da humanidade foi revelada e não há mais doenças. Todos os seres vivos tiveram o sequenciamento genético decifrado por William Gordon, ganhador do Nobel daquele ano. Não, não conseguiram descobrir a cura da gripe, antes que a pergunta apareça.

O fato é que a privacidade é uma palavra obsoleta.

Tudo é conhecido, não há mistério.

E ninguém se importa.

Na verdade, muito pouca coisa importa, hoje.

  

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Me inspirei no texto enviada pela querida Lélia Wanick Salgado:

– Alô, é da pizzaria Gordon?

– Não, senhor, é da pizzaria Google.

– Desculpe, devo ter ligado para o número errado.

– Não o número está correto, o Google comprou a pizzaria.

– Ah, entendi. Pode anotar o meu pedido?

– Claro, o senhor quer a pizza de sempre?

– Como assim, você já trabalhava aí, me conhece?

– É que de acordo com nossos sistemas, nas últimas 12 vezes o senhor pediu pizza de salame com queijo, massa grossa e bordas recheadas.

– Isso, pode fazer essa mesma.

– No lugar dessa posso tomar a liberdade de sugerir uma de massa fina, farinha integral, de ricota e rúcula com tomate seco?

– Não, eu odeio vegetais.

– Mas o seu colesterol está muito alto.

– Quem te disse isso? Como você sabe?

– Nós acompanhamos os exames laboratoriais de nossos clientes e temos todos os seus resultados dos últimos 7 anos.

– Entendi, mas quero a pizza de sempre, eu tomo remédios para controlar o colesterol.

– O senhor não está tomando regularmente, porque nos últimos 4 meses só comprou uma caixa com 30 comprimidos, na farmácia do seu bairro.

– Comprei mais em outra farmácia.

– No seu cartão de crédito não aparece.

– Eu paguei em dinheiro.

– Mas de acordo com seu extrato bancário o senhor não fez saque no caixa automático nesse período.

– Eu tenho outra fonte de renda.

– Isso não está consta na sua Declaração de Imposto de Renda, a menos que seja uma fonte pagadora não declarada.

– Mas que inferno! Estou cansado de ter minha vida vigiada e vasculhada pelo Google, Facebook, Twitter, WhatsApp, essas porcarias todas! Vou mudar para uma ilha sem internet e sem telefone celular, onde ninguém possa me espionar.

– A decisão é sua, senhor, mas quero lhe avisar que seu passaporte venceu há 5 semanas.