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Sempre Um Papo recebe Inez Cabral, filha de João Cabral de Melo Neto

12 de março de 2020

 

O Sempre Um Papo e a CBMM recebem Inez Cabral, filha de João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999), patrono do IX Fliaraxá – Festival Literário de Araxá, que será realizado no município de 1 a 5 de Julho de 2020. No encontro “Conversa sobre João Cabral de Melo Neto”, a convidada falará sobre a vida em família, a produção literária e o trabalho do pai como diplomata. O evento será no dia 30 de março, segunda-feira, às 19h30, no Teatro Municipal de Araxá, com entrada gratuita. Nesta data, serão distribuídas às escolas do município, coleções de livros de João Carbral de Melo Neto como ação de incentivo à leitura do Fliaraxá e do Sempre Um Papo.

 

Abaixo um texto de Inez Cabral sobre a lembranças que guarda do pai.
“O que dizer do meu pai? Acredito que um texto desses pode equivaler a uma sessão de terapia. Mas como em qualquer terapia, o difícil é começar. Como retratar um pai, que no caso é João Cabral em duas laudas sem derramamentos líricos quando não se é um poeta de seu calibre? Me aterei portanto a fatos específicos.

 

Cena 1 – 1951- Londres
Apresentação da escolinha de balé:
João Cabral (off): “E naquele palco, cheio de meninas brancas e louras, de tutu cor de rosa, aparece a Inez, moreninha, queimada de sol das férias recém terminadas, num tutu vermelho. Em vez de dançar a sua parte, passou a dança toda corrigindo as colegas e provocando risadas do público. Só se via ela. Esta minha filha nunca vai ser bailarina.”

 

Cena 2 -1952 – Sala de jantar de um navio.
No primeiro jantar a bordo, João Cabral entra com Stella Maria no restaurante e vê, semiescondida atrás de uma coluna, a mesa de seus sonhos. O casal se dirige até ela. O Maitre se aproxima:
— Sinto muito, vou conduzi-los a outra mesa. Esta está reservada para um velho diplomata brasileiro, algo neurastênico.
Stella Maria: — Não se preocupe, o velho neurastênico é ele mesmo. Quem fez a reserva fui eu.
Detalhe: A sua idade em 1952 era de 32 anos.

 

Cena 3 (recorrente) Sala de jantar, a família na mesa.
João Cabral confere se as aspirinas estão em seu bolso. Na sua frente estão dispostos vários vidros de comprimidos e cápsulas de todas as cores e formatos. Depois de engolir alguns deles, ele se serve.
Stella Maria: —Joãozinho, você não pode comer só rosbife e arroz. Coma uma verdura.
João Cabral: — Claro que posso, Stella. Eu sou nordestino, e na minha terra, quem come folha é gado.

 

Cena 4- 1966 – em casa – Suíça.
João Cabral se aproxima do termostato na parede, e eleva a temperatura a 28º. Reclamo do exagero, ele responde:
— Sou pernambucano, minha casa é território pernambucano, tem que fazer calor.

 

Cena 5- 1966/67 – Quarto do casal em Berna.
Stella Maria, atarefada, arruma uma mala, sob o olhar de João Cabral. Entra Inez: —Pai, que legal! você vai ao congresso de escritores em Bruges! Li no jornal que o Sartre vai estar lá. Pede a ele um autógrafo para mim?
—De jeito nenhum! Só peço a ele um autógrafo quando ele souber quem é João Cabral.
E Sartre sabia. Tinha visto, ou ouvido falar de Morte e Vida Severina, que fez um sucesso estrondoso em Paris nessa época. Mesmo assim, ele não pediu o autógrafo.

Cena 6- 1967 – Sala de casa em Barcelona.
— Pai, já decidi, quero fazer Belas Artes.
—Tem certeza? acho que eles vão querer te domar, vão tentar modificar você.
—Mamãe vive dizendo que sou como as zebras, indomável. Eles podem até tentar.
—Minha filha, quando eu tinha a sua idade, eu também desenhava. Por isso, hoje eu escrevo. Não siga o caminho mais fácil. Arte é suor.

 

Cena 7– Alguns meses depois, na mesma sala.
—Pai! sabe quem estava na Escuela Massana hoje?
—Quem?
—Joan Miró! Ele também estudou lá. Está montando uma retrospectiva de seu trabalho.
—Você foi falar com ele? Disse que era a minha filha?
Lembrando-me da resposta recebida algum tempo atrás, respondi:
—Claro que não! Só iria falar com ele, se ele soubesse quem é Inez Cabral!
Dias depois, o telefone toca. Eu atendo:
—Digame.
—Está Joan Cabral?
—Está en el consulado, quien desea hablarle?
—Joan Miró.
Com o telefone na mão, perco a fala, e ele:
—Quien está al teléfono?
—Soy su hija, Inez.
—Ya sabes hablar? Te conocí con dos años. Hablas el castellano mejor que tu padre. Lo llamaré más tarde, gracias Inez.
Assombro total: Ele sabia quem eu era!
Quando contei ao meu pai, ele riu. Com certeza também se lembrou.

 

Cena 8- 1984 – Residência da Embaixada em Honduras.
Dia da partida de João Cabral, que acaba de ser removido. Na sala, seus funcionários esperam para despedir-se dele. Devido à demora, a secretária vai procurá-lo e o encontra sentado no chão, brincando com um de seus netos hondurenhos.
—Embaixador, está todo mundo lá embaixo, esperando o senhor.
—Deixa eles esperarem. Pedi para vir para este posto, para estar com minha filha e meus netos. Estou me despedindo deles. Daqui a pouco eu desço.

 

Cena 9- 1999 – Em sua casa na praia do Flamengo, Rio de Janeiro.
Conversamos, ou melhor, eu reclamo da dificuldade de captar recursos para filmar o Auto do Frade. E ele:
—Minha filha, cinema é indústria. Cinema de arte é coisa de milionário. Cinema indústria não atrai você, e como não é milionária, é melhor desistir e escrever. Você só vai depender de lápis e papel. Pouco tempo depois, ele nos deixou.
Lembro-me sempre desse conselho. Mas quando se é filha de João Cabral de Melo Neto, escrever não é tão simples assim. “ Inez Cabral

 

Serviço:
Sempre Um Papo com Inez Cabral
Dia 30 de março, segunda-feira, às 19h30, no Teatro Municipal de Araxá/ Araxá-MG – Entrada gratuita.
Informações: 31 32611501 – www.sempreumpapo.com.br

 

Informações para a imprensa:
Jozane Faleiro – 31 992046367 – jozane@sempreumpapo.com.br

Foto: Chico Cerchiaro/RevistaCult