23 de fevereiro de 2025
A falta que destrói
Ainda ligo mentalmente para o Oswaldo França Jr – 322414. Sim, era este o seu telefone, ali pelos idos de 1985, 1986.
Ainda ouço a voz grave e pausada do Roberto Drumond, me convidando para um café.
Ainda sinto a doce presença do Francisco Iglesias, sempre perguntando por novidades, sempre procurando saber.
Ainda procuro perguntas sobre livros e leituras que só o Bartolomeu Campos Queirós sabia me responder.
Mas hoje um silêncio me destrói.
Hoje sinto tanta falta de Affonso Romano de Sant’Anna que nem seus poemas me bastam. Eu os procuro sempre quando a saudade aperta. Leio cada um, nos inúmeros livros que tenho. Mas hoje eles não têm conteúdo nem sentido. Estão vazios.
Hoje o silêncio que já dura quatro anos me destrói. Não importa a doença que o trancou na cama, tornou imóvel o seu magnífico corpo, seu sorriso enigmático, sua voz de barítono, entoada. Me destrói o silêncio.
Me destrói o silêncio das palavras não escritas, das palavras não ditas, do olhar vago e disperso, desmedido, infinito. Me destrói o silêncio de todos e todas, entre o respeito e o espanto. São quatro anos de morte não dita, indizível, quatro ensurdecedores anos mal ditos.
Fosse eu, ele, em poesia, se houvesse telepatia metafísica entre irmãos, o poema seria seco, rasgado, longo e impalpável. Imagino os milhares de versos que este meu xará querido deve ter escrito, nestes anos de vácuo. Imagino e desimagino, imediatamente. Tenho medo pânico de conhecer tamanho sonho que encarcera.
Foi ele que me sussurrou, dezenas de anos atrás, a vida em sonho de Macedônio Fernandez, a quem Jorge Luiz Borges chamava de Mestre. Fui logo traduzir seus versos e descobri a diferença entre sono e sonho – nenhuma – é a mesma palavra, em espanhol. Nesta conjunção, Macedônio traçou o conceito de Vigília, este tempo sem tempo. E vive nesta Vigília este meu amigo que me destrói com sua falta.
Para Affonso Romano de Sant’anna, meu verso escrito em lágrimas, e ao seu estilo:
“não há noite, poema, lua alta
que traga o sol mais brando
– nem projeto, olhar, perfídia
que mereça
Luz ao sul da tempestade.”
Afonso Borges
PS – Escrevi este texto meses antes da minha amada Marina Colasanti morrer.