Alberto Villas entrevista Afonso Borges para OSOL

10 de junho de 2024

Afonso Borges, idealizador do Mondo Livro, foi entrevistado por Alberto Villas para OSOL, seu jornal eletrônico diário. Villas é jornalista, escritor e mineiro de Belo Horizonte. Formou-se no Institut Français de Presse e desde 1980 já passou pelos principais jornais e redes de televisão do país. Foi o criador do Caderno 2 do jornal O Estado de S.Paulo e durante dez anos editor-chefe do Fantástico da Rede Globo em São Paulo. É autor de seis livros publicados pela Editora Globo, um pela Editora Conceito e dois e-books publicados pela e-galáxia.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra. Ela também pode ser conferida no site d’OSOL – clique aqui para ler.

O Brasil é a lata de lixo dos bestsellers enlatados

Produção: Marcia Dal Prete

Afonso Borges é um especialista na arte do encontro. Sabe como ninguém reunir escritores e amantes da literatura. O cara sabe espalhar livros, abrir cabeças, fazer uma grande revolução em pequenas cidades. Sei que gosta de um quiabinho com angu, misturado com um frango caipira ao molho pardo. Não estaria exagerando se dissesse que Afonso é o cara. Não conheço ninguém que não goste dele. – Alberto Villas

Você se lembra de quem foi o primeiro convidado do Sempre Um Papo? 

A ideia de realizar o “Sempre um Papo” veio quando eu estudava na PUC/MG. Quando Médici morreu, eu fiz um debate chamado “Os Anos Médici”, com Heloísa Starling, René Dreifuss e Ceres Spíndola de Castro. No ano seguinte, 1986, comecei o projeto em um bar, La Taberna, com Frei Betto, o primeiro convidado. Mas eu considero o primeiro, mesmo, o Décio Pignatari, do qual lancei o livro “Poesia Pois é Poesia”. Isso porque eu tive que comprar a passagem aérea dele em 17 prestações. E é claro que não consegui pagar, e meu nome foi para o SPC. 

Quem deu o nome Sempre Um Papo?

Surgiu de uma conversa com Frei Betto. 

Quem gostaria de levar para um papo e ainda não conseguiu? 

Para esta pergunta só penso nos mortos. Rubem Braga e Drummond. Todos os que eu queria trazer aceitaram, e vieram. Me perguntaram isso uma vez a respeito de Zé Rubem Fonseca. Eu nunca o convidei porque sabia que ele não queria ir. Com Manoel de Barros, que só deu poucas entrevistas na vida, consegui um milagre: uma vez ele topou fazer uma noite de autógrafos. Mas foi na hora, de supetão. 

Você guarda livros nas estantes ou faz circular? 

Eu já doei quantidades enormes de livros pela vida afora. Mas esta é uma pergunta dolorosa, pra mim. Tenho cerca de 20 mil livros. Outro dia pensei: “vou fazer uma limpa e doar”. Fiquei dias mexendo nos livros. Consegui separar uns 8 ou 9. Preciso desapegar. Eu amanheço todos os dias com este mantra. Mas não estou evoluído a este ponto. 

Que livro está lendo? 

Os originais do livro de ensaios do Sérgio Abranches, “A Terceira Margem do Ipiranga”. Junto com mais uns cinco ou seis. 

Quem é o mineiro mais mineiro que você conhece? 

Alberto Villas. Ele é tão mineiro, mas tão mineiro que já morou no mundo inteiro, inclusive em Paris e não ainda mora, internamente, em Belo Horizonte. Só ler os seus diversos livros. 

Para quem daria o Nobel de Literatura 2024? 

Faria o tempo voltar e daria para Jorge Amado. Se o tempo voltasse, incluiria Machado de Assis e Guimarães Rosa. Se funcionasse, mesmo, Drummond. Mas falando sério, Mia Couto. Mesmo sabendo que Scholastique Mukasonga tem chance. 

Quantas horas tem o seu dia?

Só diminuir 4, às vezes 5, o tempo que durmo. Quando criança, tomava cocão do meu tio, em Muriaé, porque era capaz de ver televisão, almoçar, ler gibi e assoviar. Ah, caminhava, também. 

Podemos imaginar que a sua comida preferida é a mineira. Mas qual prato é aquele que gosta mais?

Eu como em casa, e só comida mineira. Quando saio, tenho preferência por comida mineira. Na ausência, macarrão – qualquer coisa com macarrão. Qualquer mesmo, desde que tenha macarrão. Sangue italiano, Ferrari do lado da mãe, Lovaglio do pai. 

Um escritor que faz falta. 

Sem dúvida nenhuma, Carlos Drummond de Andrade. Deus devia abrir uma exceção e torná-lo imortal. O lado poeta é o mais conhecido. Mas foi, com seus mais de 40 anos de crônicas, um repórter de seu tempo. 

Costuma reler livro? 

Não sinto necessidade. Passo mal até hoje ao lembrar da machadada de Raskolnikov no crânio da velha usurária. Tenho uma memória mortal.

Você vê TV? 

Hoje, só streaming de filmes de ficção científica. Comecei a ver cinema aos 13 anos, no cineclube da FACE, em BH. O meu primo, Maurício Carvalho, que dirigia. Eu vi todo o cinema novo, nouvelle vague, italianos, japoneses, alemães. De “Dodeskaden” ao “Bandido da Luz Vermelha”, entremeado por Zabriskie Point. Hoje procuro TV para desanuviar. Cinema não frequento mais. 

Acredita que o e-book vá ultrapassar o livro de papel? 

Não. Cada macaco no seu galho. E o livro físico é eterno. 

Imagina por que 90% dos livros das listas dos 10 mais vendidos são estrangeiros?

O Brasil é a lata de lixo dos bestsellers enlatados – especialmente, de língua inglesa.  Devolvo a pergunta: por que será que as grandes editoras do mundo decidiram comprar as editoras brasileiras? Respondo: para despejar aqui esta tralha miserável de livros de baixa qualidade que infesta as grandes redes no País. Por isso só faço eventos e festivais literários com autores e autoras brasileiras. 

Contos, crônicas, poesia, ficção, biografias – você tem uma preferência? 

Poesia e conto, sempre em primeiro lugar. Depois romances de ficção, principalmente esta leva de autores negros que estão refundando a literatura brasileiras. 

Organizar uma feira literária é… 

Respeitar o autor e a autora brasileira. 

Ainda sente frio na barriga na hora do papo com um escritor?

Duas coisas eu ainda não superei, mesmo depois de 38 anos e mais de nove mil eventos na vida: uma – 30 minutos antes eu sempre acho que não vai ninguém no evento. Mesmo sabendo, 5 minutos antes, que o auditório está sempre lotado. E dois: no dia que eu me acostumar, no dia que a tremedeira e o frio na barriga passarem, tá na hora de parar. E isso tá longe de acontecer. 

Você ainda tem um sonho? 

O sonho é o mesmo:  um mundo menos desigual, sem racismo, com respeito ao próximo e à natureza. E com foco na manutenção da velha e boa Democracia. E com uma certeza absoluta: só o livro forma. 

Em quem você votaria para a Academia Brasileira de Letras? 

E eu sou louco de responder esta pergunta? 

Você se considera um herói da resistência?

Eu? De jeito nenhum. Mas eu me espantei, outro dia, em Petrópolis. No primeiro dia do Flipetrópolis, uma moça me parou na rua, me deu parabéns pelo festival, pelos convidados, falou do conservadorismo da cidade e me disse: “aqui eu sou da Resistência. E você também é. Muito obrigado”. Achei isso bom. 

Já pensou em criar um Sempre Um Papinho, só com literatura infantil?

Sim!!! Já aconteceu várias vezes!!! Entre as muitas, por exemplo, Miriam Leitão foi fazer o lançamento de seus livros no Museu dos Brinquedos, em BH. Quando chegou lá, a diretora do Museu pegou um carrinho de rolimã e pediu para a Miriam andar. Ela nem titubeou: sentou no carrinho e desceu o passeio da Avenida Afonso Pena a toda velocidade. Tá documentado! Tem vídeo. 

Ser mineiro é…

Não ser capaz de entender como uma pessoa pode atravessar a vida sem ler “Grande Sertão: Veredas”.