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É hora de reacordar-se: foram só seis livros

23 de maio de 2019

 

 

Há um surto de desumanidade no ar. A notícia que interessa, sempre, é a pior, a mais absurda. Para desequilibrar esta tendência, é hora de dar destaque a um fato desinteressante, fugaz. Um ato pequeno – até porque as pessoas não mais estão habituadas a grandezas – só a bobices, especulações, intrigas, ofensas. É o seguinte: li na coluna do Ancelmo Góis que um escritor doou 6 livros para um Museu. É só isso, nada além disso.

 

Um escritor chamado Marco Lucchesi doou seis livros para o Museu Nacional – sim, aquele que pegou fogo, inteirinho, no Rio de Janeiro. São seis livros, apenas, mas raríssimos – e caros. Mas isso não foi dito por ele, eu que estou dizendo porque sei, e posso dizer. Atitudes como esta fazem a gente repensar o Brasil como ele é. Nem é necessário dizer que Lucchesi é um dos mais interessantes escritores brasileiros; que é um ser humano da maior inteligência e sensibilidade; e que ocupa, com mérito, a presidência da Academia Brasileira de Letras – em segundo mandato.

 

Importante mesmo é dizer que a biblioteca de um escritor é parte de sua vida (para não dizer toda a sua vida…). Portanto, ele doou parte de si para a reconstrução de um Museu. E museus não são só museus. Museus não são só o acervo, o patrimônio. Museus são ideias, sugestões, memórias, contaminações. Museus são grandes surpresas, bordadas em segredos.

 

E a doação de seis livros a um Museu destruído pelo fogo, quase inexistente, é uma abstração que assusta. Uma abstração moderna, exuberante, potente. Que inspira como o mito da fênix. E aí desaba, enorme, na minha cabeça, a laje-poema de João Cabral de Melo Neto, que explica – e confunde – tudo ao mesmo tempo:

 

“Acordar é reacordar-se ao que em nosso redor gira”.

 

Afinal, foram só seis livros.

 

Obrigado, Marco Lucchesi.