“Rubaiyat”: o eco de uma Pérsia que resiste ao tempo e à guerra

25 de junho de 2025

Há dois meses – repito: há dois meses – comprei, um leilão, uma edição de 1944 do clássico persa “Rubáiát”, escrito pelo cientista e poeta Omar Khayyám, por volta do ano 1.100. E esqueci do assunto. Recebo hoje o exemplar, lindíssimo, com a tradução para o português de Jamil Haddad, baseado na texto em inglês de Fitzgerald. Li, espantadíssimo, a apresentação do então Ministro do Irã, no Brasil, Yadollah Azodi. Acessem o vídeo que eu fiz no Instagram @afonsoborges1 

 

No intervalo das bombas que obscurecem o céu do Oriente Médio, a palavra de Rubaiyat,  de Omar Khayyám ressurge como um lembrete de outra face do Irã — a face da poesia, da filosofia e da busca serena pelo sentido da vida. Enquanto os olhos do mundo se voltam para os confrontos entre Irã e Israel, é urgente recordar que a identidade iraniana — forjada muito antes da fundação do Estado moderno — também é feita de versos, dúvidas e vinho, e não apenas de foguetes e retaliações. É um oráculo.

 

Omar Khayyám, matemático, astrônomo e poeta da Pérsia do século XI, escreveu quartetos que atravessaram os séculos como sussurros de uma civilização que soube conciliar razão e lirismo. E influenciou gerações de sábios, poetas e intelectuais. Seus rubaiyat não celebram a guerra nem clamam por vingança. Eles falam da transitoriedade da vida, da beleza efêmera do instante, da fragilidade das certezas — inclusive das certezas religiosas. São poemas que desconfiam da rigidez dos dogmas e oferecem, em vez disso, o consolo suave da contemplação.

 

No centro dessa obra, há um gesto profundo: o de levantar a taça de vinho em meio ao caos, não como negação da tragédia, mas como afirmação da vida. “Acorda, pois a aurora nos chama ao vinho”, escreve Khayyám, lembrando que entre o nascer e o morrer há um breve intervalo onde o humano pode escolher ser leve — ou cruel.

 

Hoje, quando a retórica oficial de ambos os lados se embrutece e os discursos apagam a memória comum dos povos, Rubaiyat nos devolve o Irã que a guerra tenta apagar: não o Irã da política, mas o da cultura milenar; não o Irã do Estado, mas o da alma. Um Irã que produziu Hafez, Rumi, Ferdusi — e Khayyám — muito antes dos aiatolás e das sanções.

 

Rubaiyat é o antídoto lírico contra o fanatismo. Sua poesia não pertence apenas ao Irã — ela pertence à humanidade. É o murmúrio de uma civilização que fala, há mil anos, que a glória está no pensamento livre, e não na dominação. Que a eternidade está no verso, e não no império. E que nenhuma guerra será capaz de calar o espírito de um povo que aprendeu a transformar a dúvida em arte. A civilização Persa sobressai aos movimentos efêmeros do tempo e da política.

 

Recomendo a leitura.

 

Afonso.