16 de novembro de 2018
Ela tem quatro tópicos:
1) Release do Livro “Olhos de Carvão”
2) Mini-Bio
3) Depoimentos, Opiniões e Críticas
6) Matérias jornalísticas
Quer comprar? Só mandar um email para afonso@sempreumpapo.com.br
O escritor Afonso Borges lança seu primeiro livro de contos “Olhos de Carvão”, pela Editora Record. Criador do projeto Sempre Um Papo, que há 32 anos promove o encontro de escritores com o público para falar de suas obras e também do Fliaraxá ( Festival Literário de Araxá), em 112 páginas, ele lança mão dessa larga experiência na literatura para trazer à tona pequenos contos fictícios, que trazem situações e lugares variados. Autor de três livros de poesia e um infantil, a linguagem poética é que dá unidade aos textos. Como se pode ler nos depoimentos de Alberto Mussa, Lya Luft, Ruy Castro, Mary Del Priore e Sérgio Abranches, Afonso Borges descobriu um estilo próprio, mesmo dedicando-se uma vida toda a livros e histórias de amigos escritores. (Por Márcia Soares, do Editoras.com).
AFONSO BORGES EM DUPLA PROGRAMAÇÃO EM PORTUGAL COM “OLHOS DE CARVÃO”
Com o livro de contos “Olhos de Carvão”, o escritor Afonso Borges atende a dois convites em Portugal: o Fólio – Festival Internacional de Óbidos e Livraria Ferín.
Afonso Borges, idealizador de dois importantes projetos literários brasileiros, o Sempre Um Papo, criado há 32 anos, e o Fliaraxá – Festival Literário de Araxá-, que vai para a oitava edição em 2019, estará em Portugal no dia 1 de outubro para participação no Folio – Festival Literário de Óbidos – em mais uma parceria do evento português com o Fliaraxá.
Borges vai participar em dois momentos da programação: às 18h30 fará a mediação da apresentação do livro “Antonio Fagundes no Palco da História: Um Ator”, de Rosângela Patriota com a presença de Antonio Fagundes; às 19h30, apresentará o seu primeiro livro de contos “Olhos de Carvão” (Editora Record), no qual, em 112 páginas, ele lança mão dessa larga experiência na literatura para trazer à tona pequenos contos fictícios, que trazem situações e lugares variados. Haverá leitura de alguns contos feita pelo ator Antonio Fagundes.
O Fliaraxá também leva ao Folio o escritor e jurista mineiro de Araxá, Renato Zupo, para apresentação dos livros “Monstruário” e “Inteligência Prática”.
Os eventos serão realizados na Livraria de Santiago – Largo do São Tiago do Castelo, em Óbidos, Portugal. No dia 02 de outubro, terça-feira, às 18h30, Borges lança, a convite da Livraria Ferín, o seu livro de contos, em um debate com a presença de Gonçalo M. Tavares.
Afonso Borges (Belo Horizonte, MG, 1962) é empreendedor cultural, escritor e jornalista. Criou, em 1986, o projeto “Sempre Um Papo” e, em 2012, o “Fliaraxá” (Festival Literário de Araxá), nos quais também é Curador. É comentarista da Rádio BandNews Belo Horizonte, com o programa “Mondolivro” e colunista do portal do jornal “O Globo”. Tem publicados 6 livros, entre eles, o infantil “O Menino, o Assovio e a Encruzilhada” (Sesi-SP Editora) e de contos, “Olhos de Carvão” (Record). É curador do Portal Mondolivro (mondolivro.com.br) onde reúne toda a sua produção intelectual e profissional.
O célebre o verso de Noel Rosa que diz “ninguém aprende samba no colégio”. E eu me arrisco a acrescentar: nem samba, nem literatura. Literatura é sobretudo vivência. Só depois de um profundo mergulho em livros é que se pode esperar a emersão de um autor, em poesia ou prosa. Escritor é apenas o leitor que escreve. Afirmo isso a propósito da grata surpresa que foi ler os originais deste Olhos de Carvão, de Afonso Borges, este grande amigo das letras brasileiras.
Poeta, com três volumes publicados, Afonso estreia pronto na ficção, demonstrando raro domínio do ofício de prosador. A construção ou depuração desse talento não se deve a nenhum colégio; não há nele nenhum ranço de academismos e modismos teóricos; não se encontra nada que sugira a preocupação de acompanhar a corrente.
O que se percebe em Afonso Borges é, primeiro, uma amplíssima bagagem literária; um convívio longo, íntimo e intenso com a arte narrativa. Seus pequenos contos passam por muitos lugares e exploram situações variadas. Não há um tema comum: o que lhes dá unidade é a persistência de um mesmo tom, e um mesmo ritmo. Posso dizer numa só frase: há um estilo aqui — que me parece único na literatura brasileira.
A linguagem, sempre poética, resvalando do plano real para o simbólico, dá aura singular à abordagem do assunto, que muitas vezes não passa de um flagrante, mais próximo da crônica que do conto tradicional. Outro trunfo de Afonso é saber mesclar linhas narrativas, alternando tempo ou espaço — técnica muito difícil de executar em dimensão tão curta, que se assemelha aos dribles do futebol de salão.
O leitor certamente encontrará outros méritos neste Olhos de Carvão, porque se trata de algo muito original, obra de um autor que — por sua vasta cultura — soube encontrar a sua própria voz.
De onde Afonso Borges tirou essas histórias?
Em que camadas invisíveis da realidade, secretas quartas dimensões ou sei lá o quê, elas se escondiam? Será que estavam acontecendo sob as nossas barbas, numa espécie de zona fantasma, sem que as percebêssemos?
Seja como for, só Afonso Borges poderia contá-las. Só ele tem a chave desse universo paralelo, em que homens e mulheres vivem histórias que parecem acontecer numa suspensão química.
Mas, agora, solucionadas e reunidas em Olhos de carvão, todos nós poderemos palmilhar esse universo e, ao fim dele, descobrir um escritor.
A toada de Afonso Borges em “Olhos de Carvão” (Editora Record, 2017) é uma voz de comando. Não que o narrador tiranize as personagens ou o curso da história, mas porque há uma fatalidade a que ninguém escapa. A narração é uma inevitabilidade. Tudo sucede sem poder ser de outra maneira. Sim, a improbabilidade é isso mesmo, uma espécie de sentido destinado que leva invariavelmente à desgraça de cada um. Não é sequer necessário avisar demasiado, prevenir ou provocar espanto, o sentido disfórico da vida é uma contingência. A todos os felizes espreita o acidente, a todos os felizes compete a morte. Os contos de Afonso Borges são sobre isso. Coleção de lugares, numa certa viagem, eles colhem a peripécia de cada um e exploram, como que num breviário, o que significa afinal estar vivo.
Gosto da ideia de estes contos serem breviários, nada porque sejam particularmente curtos mas pela rítmica que se levanta das palavras como tarefa sem inflexão. As coisas todas se juntam, aludindo tantas vezes a tempos longos, e são evocadas como histórias muito maiores que se administram em poucos parágrafos para cumprir o desígnio da tal inevitabilidade. É uma escrita sem gordura, sem desperdícios, mais perto do poema.
O narrador de Afonso Borges assemelha-se a um classificador de almas, um a quem competisse fazer o cômputo dos cidadãos e de suas vivências maiores, e de quem se espera a concisão e o rigor nas descrições. É, verdadeiramente, de uma poética que se trata. O poema não sabe segundos planos. Tudo é utilizado no primeiro nível do discurso, sem menorização alguma, apenas concorrência para o efeito final, que é necessariamente o da constatação do inusitado, esse sem-aviso, como dizia acima. Ao poema corresponde sempre a suspensão.
Estes contos são expressamente suspensivos. O leitor é convidado à sua completude. Enfim, como em toda a Literatura. Aqui, é acentuada essa necessidade de considerar o fim. Muitos contos ironizam exactamente essa conclusão, que atentos sabemos ser apenas uma mas que se poupa de dizer, como se o instante trágico já fosse o pressuposto e se tornasse escusado referir.
Na disforia de Afonso Borges, paulatinamente, estudamos a vida e a morte expostas com toda a nitidez. O livro progride para adensar essa decadência ou melancolia, e assinala com coragem sua visão condenada à tristeza. Bem, à violência também. Pejado de acidentes e outros desastres. Viver é muito acidental, de todo o modo, como desastroso. A sorte vai criando muita valentia e redenção, mas não há fuga absoluta. Existir é ser uma presa. Nascemos como almas que foram caçadas. Afinal, é isso. Fomos, somos, caçados.
Duas, três páginas e rapidamente um mundo. Dá-me três páginas e eu dou-te um mundo narrativo; uma direcção diferente; uma tragédia, ou um desassossego que é particular, inconfundível. A arte, a morte da família, os meninos que casam bem cedo e o acidente que ainda é pior que o pior dos medos, o prêmio Nobel que não faz esquecer aquilo que é demasiado violento para ser comprado pelo dinheiro, enfim, desde estas histórias iniciais do livro até às última nada é tranquilo – nenhuma personagem está a salvo, do lado de fora. Não é possível comprar o próprio esquecimento, isso é evidente em várias contos. E a memória é, em parte, a causa maior do sofrimento. Sem memória dançaríamos bem mais.
Em suma: Afonso Borges e a rapidez; a pressa de dizer porque há ainda outras histórias para contar. Muitas. E porque a velocidade é um meio de mostrar parte mas não tudo, um modo erótico de contar, não um modo pornográfico. Como se a narrativa, muito longe de mostrar o corpo completo só o anunciasse – por via de umas luvas , de um cachecol, de uma saia ou de umas calças pousadas na cadeira. O corpo não se vê, vê-se aquilo que o tapa. E em parte está aqui a arte destas narrativas – as frases visíveis anunciam o corpo da narrativa, que muitas vezes é só mostrado por via de indícios.
Por vezes, em duas linhas apenas, a construção de uma distopia ou utopia, confirme o ponto de vista. ” Não haverá mais governo, um dia. Nem leitura, nem literatura. Um dia não haverá mais nada. Sobrarão apenas os professores e as professoras, ensinado ao vento.” Uma distopia-poesia. Penso agora, desvio-me, penso nesses professores ensinando não apenas ao vento, mas ensinando o vento. E ainda ensinando as montanhas, os animais e tudo o que à frente do horizonte ficou depois de um qualquer desastre que dizimou os humanos. Só sobram os professores a quererem ensinar a natureza, a quererem que a natureza se faça criança e cresça e depois se faça homem, salvando assim o que resta; e começando uma segunda vez. Sim, os professores salvarão a humanidade, não os políticos.
Afonso Borges tem pressa em contar e nós agradecemos. A narrativa que diz só o essencial é delicada em relação ao leitor mortal; não fazer perder tempo – os vivos agradecem está gentileza subtil mas decidida que só a velocidade pode transportar.
Não se trata de informar sobre detalhes, não é uma bula realista na qual tudo o escritor prescreve, incluindo o imaginário do leitor. Aqui não – aqui o leitor tem lugar – é o senhor que ocupa os espaços vazios, os intensos espaços vazios que o narrador, generoso, deixa para serem ocupados pela cabeça também capaz de imaginar, e muito , do leitor.
No conto “cova rasa, o delegado é o 32 cano longo”, o menino, tendo como professor seu João Meriti, dispara o seu cano longo Smith Wesson 32 “atingindo nada”; ele que deveria atingir uma garrafa de Coca-Cola. Treino quase contra o comércio mundial, não fossem estes contos serem políticos mas de uma outra forma bem diferente da habitual.
E diga-se que, no início, os contos parecem atingir precisamente nada; os saltos rapidíssimos da narrativa fazem-nos mesmo perguntar para onde aponta o narrador, pois não parece em muitas páginas estar sequer evidente uma qualquer garrafa de coca cola como alvo. Mas na verdade, em muitos dos contos, o alvo é outro: o leitor é atingido com uma sensação de desconforto do mundo; um mundo que não deu certo, mais: deu erradíssimo como uma má conta de matemática moral. As personagens deste “Olhos de Carvão” são gente que não está contente e que muitas vezes está envolvido em duelos de bala, de palavras ou de desânimo. Mas, outras vezes, as personagens caem em histórias de amor que só estão ao alcance dos mais velhos, ex-maridos e ex-mulheres fazem de Romeu e Julieta sem romantismo, simplesmente amparando, por exemplo, quem sai abalado de uma cirurgia em direção a uma cadeira de rodas.
Muitos duelos, uma ou outra aproximação. Mas o certo é que, nos duelos ou amores destes rápidos e fortes contos de Afonso Borges, o último a escolher as armas e o primeiro a escolher a quem oferecer o ombro é sempre o leitor. Uma gentileza, claro, que agradecemos.
Ignácio de Loyola Brandão
Caro Afonso,
Devo dizer que seus contos provocam um estranhamento que não sei definir..
Há uma atmosfera velada por trás deles.
Não são normais. A gente fica desconfiando de tudo.
Muitas vezes sãocontos à le clef, como “A Encruzilhada, o Assobio e a Garça”.
Aquele Bartolomeu é o nosso Bartolomeu que se foi, autor de primorosos livros, principalmente os infantis? Mas o que veio fazer aqui? Vamos saber.
Onde ele e Murilo Rubião vão?
Tudo é assim, incompleto, mas complexo, porque o que significa completo?
Gosto deste tipo de literatura que ameaça, nada define, porque nada há a definir.
Que conta, mas o que você está contando.
A medida que o tempo passar vou te mandando pingos, anotações exasperações que me provocas. O seu “Olhos de Carvão” é um livro a ser muito falado.
E não é que o Afonso Borges, incansável divulgador da literatura alheia, passou para o outro lado do balcão?
Não, não é assim que se deve dizer.
Incansável divulgador da literatura alheia, o Afonso acaba de instalar-se também no outro lado do balcão.
Ou melhor: com Olhos de Carvão, coletânea de contos lançada pela Record, Afonso Borges está solidificando uma posição que, timidamente, já ocupava no outro lado do balcão.
De fato: Olhos de Carvão está longe de ser a obra de estreia de um autor que, já faz tempo – desde os 18 anos –, vem delivrando escritos seus nas searas da poesia, da literatura infantil e da não-ficção. Tudo, porém, meio na moita, e mais, moita mineira, especialmente densa e enganosa, como se escrever fosse, para ele, habitar de raro em raro um puxadinho de sua atividade principal, a de espalhar por aí boa literatura dos outros.
Difícil, a esta altura, encontrar alguém letrado que ainda não tenha ouvido falar do Sempre um Papo, projeto bolado pelo Afonso Borges, há mais de 30 anos, com o objetivo maior de incentivar a leitura no Brasil. Mas vamos lá, mesmo com o risco de chover no molhado (clichê, apresso-me em dizer, devidamente consignado na página 49 da 2ª edição do meu O Pai dos Burros – Dicionário de Lugares-comuns e Frases Feitas).
Sua fórmula, tão simples quanto bem-sucedida, consiste em botar sob as luzes alguém que esteja lançando livro relevante, e, com direito à participação do público, entabular um papo ao qual se seguirá sessão de autógrafos. Não há hoje editora brasileira que não queira ter autor seu sob aquelas luzes. Se o Chico Xavier, lá onde está, se é que saiu daqui depois de haver desencarnado, vier a psicografar obra que o mereça, é bem provável que o Afonso Borges mande instalar mesa branca no auditório. E, magnânimo, aceitará que baixe ali, numa versão incorpórea, até mesmo o espírito espirituoso de Millôr Fernandes, que, ainda na versão carne e osso, faltou, sem avisar, ao compromisso que tinha com uma casa apinhada, deixando o anfitrião Afonso no aperto que se pode imaginar.
Nada escapa ao bom faro de quem, nessas três décadas de Sempre um Papo, ao longo de nada menos de 6 mil eventos, provocou a palavra de milhares de autoras e autores, entre eles dois premiados do Nobel, José Saramago e Mario Vargas Llosa. Feito maior, só se o Afonso convencesse (não duvido) o Jorge Mario Bergoglio, codinome Francisco, a se abalar de Roma para um Sempre um Papa.
Mas o assunto, aqui, não é um projeto que, nascido num boteco de Belo Horizonte em 1986, tem hoje abrangência nacional – já acendeu suas luzes em algumas dezenas de cidades em 8 estados brasileiros, e até mesmo, por um ano, na Casa de América, em Madri. Suas noitadas, neste momento, fazem parte também da programação do Sesc Bom Retiro, em São Paulo. O assunto não é, tampouco, um evento anual como o Fliaraxá, por ele implantado no Triângulo Mineiro em 2012, cuja edição 2017, com estrelas como Mia Couto, encerrou-se no domingo passado. Mas o assunto, aqui, é outro, é o Afonso Borges escritor, aquele que agora pisca para o leitor com Olhos de Carvão.
E, de cara, me pergunto onde é que esse bicho-carpinteiro da literatura arranja tempo também para escrever, envolvido que está como atividades que, além das já citadas, incluem redigir e ler no rádio suas colunas do Mondolivro, além daquelas que produz como colunista do portal O Globo. (Esqueci alguma coisa, Afonso? Carta à Redação, por favor.).
Curiosamente, os 26 escritos que ele reuniu em Olhos de Carvão não parecem ter sido produzidos nos breves espaços que lhe permite sua maratona de agitador e promotor cultural. Sem pretensão a alta literatura, são histórias, vinhetas, flagrantes captados por um observador sagaz & capaz, dotado para ver o que há por detrás das aparências, e para destilar seus achados, não raro sutis, com a mão delicada e bem-vinda economia de palavras. Coisa de cineasta afiado, pensei ao ler Olhos de Carvão.
Afonso Borges, felizmente, não se mete a revolucionar a arte literária, nem se propõe a convulsionar a sintaxe, com o risco de destroncar os miolos do pobre leitor, como também não se aventura a sacar conclusão ou moral da história. Limita-se a mostrar. Aquilo que João Cabral de Melo Neto volta e meia dizia, adaptando frase de Paul Eluard: escrever é dar a ver com palavras. (Mas nem por isso, pelo amor de Deus, mera reprodução jornalística da chamada realidade). Dizia também que não deve o poeta “perfumar sua flor”, “poetizar seu poema”. Não sei se Afonso Borges, em sua atravancada rotina de difusor das letras, já encontrou tempo e sossego para ler “Alguns toureiros”, de João Cabral, mas sua preocupação me parece ser a mesma ali expressa: não forçar a mão. O leitor que se vire.
Se assim é, não me peça que aponte as minhas preferidas entre as 26 histórias de Olhos de Carvão. Até porque me parecem todas elas merecedoras de leitura. A lamentar, apenas a circunstância de que o Afonso Borges não possa convidar a si mesmo para um Sempre um Papo. Posso garantir que seria um sucesso.
O Estado de S. Paulo, 21/11/2017, por Humberto Werneck
“Afonso querido: seu “Olhos de Carvão” o faz herdeiro do talento de Roberto Drummond, Oswaldo França Júnior e Bartolomeu Campos de Queiroz. São textos curtos, incisivos, surpreendentes e, de alguma forma, entrelaçados assim como a vida de todos nós. Acredito, Afonso, que por contatar tantos escritores de talento, ao longo de 30 anos, via “Sempre um Papo”, você se impregnou dessa capacidade de, com precisão quase cirúrgica, nos permitir enxergar o mundo pelo espelho inquietador da arte”.
Afonso Borges, seu livro “Olhos de Carvão” é a grande novidade da literatura brasileira em muito tempo. Setti
“Afonso, meu tão querido. Acabei de ler “Olhos de Carvão”. Viagem é a primeira palavra que me ocorre. Viagem no sentido próprio e figurado. Viagem, portanto, de trânsito distante e, também, de experiência intensa, fantástica, fabulosa. Viagem porque, em um piscar de olhos (os nossos e os seus, de carvão), nos transportamos para além do que se conhece, e vamos sendo envolvidos por uma atmosfera mágica que, no sopro criativo, inesperadamente se desfaz. A realidade revelada causa espanto, machuca. E nos obriga a reflexão. Viagem, por fim, porque no tempo e no espaço – que você trabalha tão habilmente – encontrei um outro Borges: o Jorge Luis que, comovido, te mandou um beijo pelas belas histórias e pelo estilo parecido. E me confidenciou, mineiramente, que já esteve em Belo Horizonte e que é teu parente!Amigo, querido, não repare o rápido improviso.
Saiu no calor ainda da leitura apaixonada, simples leitor que sou.Beijos e carinhos do Chico Azevedo”.
Um gênero tão difícil, tão ingrato. Mas não para Afonso Borges, que os abraçou com paixão e conseguiu criar algo novo: um estilo. E estilo marcado por um ritmo – quase cardíaco – que vai dos títulos à formulação das frases e dos parágrafos. Ritmo cuja repetição revela o domínio técnico do autor, reage a impessoalidade dos congêneres e faz da pontuação uma marca. Leem-se seus contos numa batida que é caminhada e música.
Como tantas vezes, com seu livro “Olhos de Carvão” Afonso Borges me surpreendeu. Como me surpreendeu trinta anos ou mais atrás ao apresentar seu projeto de reunir escritores e leitores. Lygia Fagundes, Nélida e eu e mais alguns nos comovemos e colaboramos apostando sem muito acreditar naquele menino mineiro idealista: resultou no belíssimo “Sempre Um Papo” que hoje nos prestigia. Assim me surpreende com os excelentes contos de “Olhos de Carvão”, bem escritos, bem tramados, encantadores e instigantes.
Parabéns, Afonso. Eu não conhecia seu texto, admito. Muito elegante e preciso, você mantém o leitor na mão e o hipnotiza. É literatura altamente sofisticada, o que já foi comprovado pelas análises profundas feitas por vários intelectuais, mas eu sou da plebe literária, não entendo muito disso (e não é charminho, é fato). O que me resta dizer é que gostei e irei reler com ainda mais atenção, porque teu livro pede isso, muita atenção, ou pra usar um termo da moda: mindfullness. Viva a brava e boa ficção! Beijos, Martha.
Amigo/irmão: li de uma vez só, durante a viagem BH/Rio, os contos de Olhos de carvão. São muito bons, ou melhor, ótimos. Concisos, cada palavra no lugar mais certo, sem mais nem menos. As histórias mais sugerem, e fazem pensar, ao invés de serem entregues de bandeja ao leitor. O que é muito bom. Os nomes compostos para os contos também foram uma sacada e tanto. “As juras na igreja, as bombas, o sinal fechado’, é genial. Parabéns. Demorou, mas valeu. Mais uma afirmação de que a boa literatura não aceita pressa. Ontem estive com Andreazza, e Nélida, foram ótimos encontros, e ambos mandaram abraços. Salve, Salve!. Abração procê,e continuamos juntos nessa jornada.
Deixei passar mais dias do que deveria. Agora, vai, não posso esperar mais. Que isso, menino? Já lhe falaram, vezes diversas por aí, que você cresceu? Pois é, antes era como aquele sobrinho esperto, inteligente, conversador. Na adolescência, o esperado, impertinente, convencido, queria crescer e conquistar. Adulto logo-logo se fez respeitar e despertar orgulho e admiração.
Comecei, no entanto, a discordar já na primeira página com a dedicatória manuscrita. Aprendeu comigo o quê, cara pálida? Quase tudo? Quase nada! É o que você vai me contando livro afora nas 96 páginas. Livro é substantivo do gênero feminino, quanto mais nos segura, menos queremos largar. Quanto mais degustamos, mais queremos devorar. Pena é que acaba acabando e aí dá saudade.
Verdade seja dita, ainda, quanto às duas primeiras histórias, sei lá, será que vou ter que ler, não vai ficar meio paulo-coelho (desculpa, nada a ver), mas vamos em frente. E fui trombando nas pedras (preciosas) que iam surgindo página a página naquele córrego límpido e surpreendentemente lindo, diferente de tudo o que se esperava.
E livro de Amigo é assim, precisa ser bom mesmo para o leitor não ficar enrolando um retorno que deve ser genuinamente sincero, ainda mais quando a sorvedura do precioso líquido que corre on the rocks no córrego foi deliciosamente gostosa, tautológica. Uft! Foi essa palavra que anotei no alto da página 35, após já ter assinalado três estrelinhas na página das juras e das bombas. E o estilo? E os títulos? A vida, a verdade e as profundidades…
Importante registrar que – como faço habitualmente – não lera antes o texto do Ruy Castro na contracapa nem o a apresentação do Alberto Mussa na orelha. Por isso, quero lhe dizer, ab imo cordis, Afonso: foi um baita salto que tive a oportunidade de ver, admirar e sentir. Você saltou daqueles tempos da sua chegada ao prédio Treze nos idos de setenta aos tempos atuais, quando você adentra maduro o campo da Literatura. Obrigado. Ganhei mais um amigo Escritor. O nome dele é Afonso Borges.
“Olhos de carvão”, do Afonso Borges, livro de contos, um deleite. Os tempos dos verbos exprimem o jeito mineiro: corei. Gosto muito desse uso, dessa forma de marcar a linguagem das Minas Gerais. Li num rasgo de tempo, depois voltei aos muitos que mais gostei. Que bela estreia, recomendo. Sandra
Li “Olhos de Carvão” com imenso prazer. Fiquei besta com a amplitude de sua pegada, para além de brasilices, laços profundos com tradições e rupturas universais. Coisa fina. Abraços, Bial.
Afonso Borges vive na literatura. Não sei se vive da literatura. Coleciona escritores e livros e transforma, ambos, em amigos íntimos. Afonso tem um papo manso, de mineiro, que transferiu para a mais aconchegante das for- mas de entrevistar autores, desde os desinibidos e confiantes aos tímidos e ensimesmados. Era apenas natural que Afonso escrevesse e que, na escrita, fosse breve como suas frases, mas com a densidade de sua vivência literária. Seus contos abrigam poesia, como breves epifanias: “aura índigo”, “misto de calma e pânico”, “os olhos de carvão”, “um nó, absoluto e impossível”, “túneis escuros de esperança e ódio”, “o olhar triste do mundo”.
Tem linguagem própria, autêntica, inclusive nas referências a outros autores. Os contos começam cotidianos, como um caso mineiro, desses que se con-ta ao pé do fogo, com uma pinga boa rodando a roda. Mas não terminam cotidianamente. Como em todo bom conto, irrompe ora o inesperado, ora o apenas insinuado, um toque de mistério ou uma pitada de absurdo. Não raro o puro absurdo do cotidiano de nossos tempos. Afonso Borges é da linhagem dos contistas econômicos nas palavras. Autor de contos curtos e densos, que começam pequenos e terminam metafísicos.
O conto é um gênero nobre da literatura, tratado com desprezo pela maioria dos editores no Brasil. Praticamente todos os grandes autores, em todos os tempos e lugares, foram exímios contistas: Machado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Joyce, Hemingway, Tolstoi, Dostoyevski, DorisLessing, Virginia Woolf e cada um pode adicionar os autores de sua predileção. O Brasil, e Minas Gerais em particular, têm uma preciosa tradição no conto, basta lembrar Murilo Rubião, que só escreveu contos, Rubens Fonseca, SérgioSant’anna, Luiz Vilela, Lúcio Cardoso, Ivan Ângelo. Era natural que Afonso, colecionador de amigos escritores e livros, entrasse para a confraria dos contos.
Há grandes histórias, que se transformaram em grandes romances. E há pequenas histórias, quase banais, que podem ter passado em branco, inspirado poemas ou contos. Artesãos das palavras fizeram dessas singelas histórias matéria bruta para pequenas obras-primas. Não é fácil fazer artesanato com as palavras, dar grandeza a pequenos relatos, ou contá-los de forma a engrandecê-los.
Afonso Borges toma dessas histórias comuns, algumas das quais poderiam passar em branco, e lhes dá um tratamento digno de um artesão das palavras. Em Olhos de carvão, ele reúne contos muito mais que concisos: a linguagem é aparentemente esquemática, mais para sugerir climas que criá-los. O mais interessante é que há em todos eles uma aura de intenso estranhamento, de forma a sugerir sempre uma segunda leitura. A cada conto, a chegada à última linha não significa a conclusão de uma tarefa, mas um susto, uma dúvida a mais, uma dose a mais no prazer da leitura.
Afonso Borges construiu sua vida dentro da literatura. Criador do Projeto Sempre um Papo, há mais de 30 anos discute o ofício de escrever, bate papo com escritores, apresenta livros aos leitores, escreve sobre literatura nos jornais. Depois de publicar três livros de poesia e um infanto-juvenil, lançou seu primeiro de contos. Só poderia sair coisa boa dessa cabeça. José Alexandre Marino, poeta
Afonso, querido, obrigado pelo envio do seu livro. E que livro! Ele é forte do jeito mais forte que um livro pode ser: pelo que não diz, dizendo; e sobretudo pelo que diz, não dizendo. Isso é coisa de escritor de verdade. Seus textos olham o leitor com olhos de carvão – que se incendeiam quando do atrito com os olhos de quem os lê. Parabéns, vida longa a esses contos, e que venham os futuros. Francisco
“Querido Afonso, acabo de terminar a leitura do seu livro e te escrevo agora porque ele me causou forte impressão, são pequenos cristais na noite do espanto, são lindos! A morte está quase sempre ali, rondando, rondando, ou então dona de tudo, e seus personagens que lutam contra ela: às vezes cegos, às vezes recobrindo de palavras aquilo que é só absurdo (como em A brisa, a queda, o Gueto de Vilna), e às vezes envoltos nas teias inesperadas do amor (Duas mortes, um acidente e o amor, que tarda). E há também as crianças e essa fragilidade extrema, que aparece em muitos deles. E há um olhar agudo e poético para as nossas faltas. Que lindo, Afonso, que intenso, é uma alegria te ler! Beijo grande e minha admiração.
Querido, Gostei muito da eficácia da sintaxe nos seus contos: breves e contundentes. Gosto dessa prosa telegráfica. Também do fato de ser um livro cosmopolita, ainda que meus favoritos são os «brasileiros», os que falam da violência urbana, e os que fazem homenagem a Murilo e Bartolomeu (lindo esse conto) e Guimarães. Parabéns, querido, e muito sucesso. Obrigado por compartilhar!
O olhar de Afonso Borges sobre a vida eu acompanhei sem nunca saber, no entanto, onde estava. Só sabia que estacionava em momentos, em lugares. E compartilhava só a décima parte do que via. Ou teria voltado antes do mergulho. Afonso sempre esteve umbilicalmente ligada à literatura. Eu me lembro, na faculdade de Comunicação da antiga Universidade Católica de Minas Gerais, com seus cabelos encaracolados – os olhos ainda inquietos – o violão e as portas da juventude abrindo para vários caminhos.
E ele escolheu o menos previsível. Fui ver os primeiros encontros do Sempre Um Papo que Afonso promoveu com escritores. Eu achava legal, como apreciava os sonhos permitidos antes que o diploma e a necessidade de sobrevivência se impusessem. Não imaginava, ainda, o espírito desbravador do Afonso, a determinação com que desbravou terras ainda não habitadas, desconhecia a sua alquimia de fazer sonho virar meio de vida. Muito doido, esse Afonso.
Os anos se passaram e o olhar de Afonso se acalmou, vôo que descansa, embora a vertigem das alturas seja de cura improvável. O Sempre Um Papo, formidável, já tem mais de 30 anos. Foi, então, de dentro dessa paisagem a que estávamos acostumados que seus cronicontos me surpreenderam, os textos reunidos neste Olhos de Carvão. A poesia, velha arma branca que Afonso carrega presa à cintura desde sempre, subitamente aliada à matemática, no que ela tem de mais sagrado. As palavras rigorosamente encaixadas nos ângulos da existência, sem espaços vazios, a geometria poética traz à superfície a vida revelada sem o tempo para distrair e atrapalhar o fluxo natural da essência de tudo.
Assim. A cabeça que reza encostada ao azulejo durante o banho, o choro, e a modelo do outdoor que desvia o olhar diante das marcas abissais do amor. O pai enlouquecido, os olhos riscados dos seus três filhos na gruta de Goreme e a caneta redentora nas mãos de uma criança, capaz de curar dor centenária. A caminhada pelo centro da cidade com Murilo Rubião e Bartolomeu Campos de Queirós, a encruzilhada, o assovio. Manuela. Estremeci diante dos olhos de carvão fixados em mim.
Afonso fez novamente: o inesperado, o casamento da literatura e da matemática, a equação de grau poético. Na verdade, depois de todos estes anos de coragem, Afonso trouxe o que se esperava dele: a inovação e a beleza. Surpreendente sempre, o olhar de Afonso aquietou-se na profundeza da existência. Sem atalhos.
“Olhos de Carvão” começou a exercer atração sobre mim, desde a sugestiva e bela capa, até o título intrigante. Ao iniciar a leitura, porém, encantei-me com sua escrita. Cada crônica me passava a nítida sensação de o estar ouvindo, bem ali, sentadinho a meu lado. Cada história lida, me trazia Afonso e seu sorriso especial, seu jeitinho característico e manso de falar… Evidentemente que não foi só isso que me cativou. A escrita de Afonso – uma escrita econômica, eficiente e eficaz, nos revela de imediato alguém que tem intimidade e sabe usar as palavras de forma tal, que três apenas bastam para compor a cena ou descrever uma personalidade. E isso não é qualquer um que pode fazer, nem que queira.
E os temas? Salta-se, com Afonso, de uma história à que se segue, como do topo do monte para o abismo; pode-se sair de um simples e hilariante momento do cotidiano – sempre descrito sob o especial olhar de quem tem alma, não somente domínio técnico da língua -, para um passado oprimente de séculos, ou para reflexões de um sentir profundamente humano. Alternam-se no livro o amargor de quem constata desde as mais caras qualidades que dignificam o homem, até a sordidez que define nossa desumanidade. Esse homem, que passou trinta anos de sua vida admirando, incentivando e promovendo autores, agora, afinal e lindamente, se revela e nos dá a honra de partilhar o que fervilha em sua cabeça. Tenho convicção que o Afonso Borges escritor, que em 2017 nos permitiu conhecer um pouco de seu rico interior, desponta em nossa literatura como um nome que ainda nos dará muito prazer, risos e lágrimas também!
“Salve, Afonso. Rapaz, gostei pacas do seu Olhos de carvão. O estilo adotado, de frases entrecortadas para os contos curtos, condensou bem cada história, deixando que elas se espalhem feito pequenos jardins na cuca de cada leitor. As temáticas das histórias são muito bem pinçadas, coisa de quem não só conhece literatura, mas também tem o olhar sensível para as pequenas dores das pessoas e do mundo. Abração e parabéns! (PS: e partilho com você a situação de ser escritor estando quase sempre atrás do balcão, o que, às vezes, é visto com injusta desconfiança…)”
“Olhos de Carvão ” é um jardim de palavras sem caramanchão: nossos olhos transitam fluentes sobre suas alamedas. Historias jorram espontâneas de suas páginas-chafarizantes. Livro-jardim-conciso: nipo-mineiro. Nome do jardineiro? Afonso Kawabata Pirolli. Já que entramos no delicioso delírio das metáforas, encerro dizendo que você, Burlemarquianamente, criou um pequeno e belo jardim nipônico para embelezar ainda mais as gigantescas montanhas das Gerais. Bravo, Borges!” (Evandro Affonso Ferreira , autor de ‘Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos ” e “O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam”)
E Afonso Borges, hein! Não satisfeito com o sucesso do projeto que criou e mantém há mais de 30 anos, o Sempre um Papo, que lhe deu fama nos meios culturais, resolveu lançar um livro que está tendo muito boa crítica. São contos misteriosos, velozes, enigmáticos, que Alberto Mussa, por exemplo, considerou muito originais “obra de um autor que _ por sua vasta cultura _ soube encontrar a sua própria voz”. A tantas opiniões abalizadas, junto a deste seu modesto leitor, amigo e admirador.
Afonso, terminei quase agorinha de ler esse seu primeiro volume de contos. Que venham outros, seu danado. Como são diferentes, envolventes, próprios para quem, como eu, ama descobrir novas literaturas possíveis. Concordo demais com Ruy na contracapa: “Descobrimos um escritor.” Concordo muito com Musa na orelha: você, lido e letrado, soube encontrar voz própria.
Que maravilha de concisão a sua! Senti como se cada conto mínimo, de duas a três páginas no máximo, encerrasse em si a ideia de um romance completo, com tramas, subtramas, personagens principais, secundários, paisagens, cenários, locações… Uma aula de síntese você nos dá. Isso muito me impressionou. Você brinca com a noção de tempo, o tempo todo. Incríveis os seus pulos, Cronos saltando nos trampolins tramados por um tal Borges de BH.
E que jogo interessante – comum a todos os contos – de parágrafos que aparentemente se descolam uns dos outros, pra grudarem de novo no sentido final de cada conto. Isso dá um ritmo à leitura que é pura vertigem. Doideira das boas. Não se pode distrair, bobear, você nos fisga por completo. Você nos quer inteiros, ou nada. Não há tréguas para os leitores. Muito bom.
Também me liguei no jeito curioso como você dá título a todos os contos, sempre do mesmo formato, títulos longos, cheios de vírgulas (e, portanto, silêncios, respirações), sempre três ideias encadeadas, tríades, trinômios, trindades, tripés. Pai, filho e espírito santo. Ao fim, em estado de graça, só nos resta dizer amém ao novo contista revelado. Parabéns demais da conta, mineirinho-bão-sempre-um-papo.”
Um homem está prestes a ser atingido por uma caminhonete. Há um corte na cena e, com a respiração em suspenso, recuamos um pouco no tempo e acompanhamos outro homem, com a mulher e os filhos no carro, indo para a casa. Essas duas narrativas, afastadas no tempo de no espaço, acabam se cruzando, numa engenhosa carpintaria literária. É um dos contos de “Olhos de carvão”, livro de Afonso Borges. Os personagens de Afonso transitam pelos mais variados lugares, como cemitérios, igrejas, prisões, estradas. Escapam – ou não – de tiroteios, bombas, roubos, acidentes, paixões, traições. As vozes se confundem, se fundem e se somam. Passam do motorista viciado em adrenalina para o policial obcecado em multar. Alternam-se entre a mulher que sofreu o roubo e o homem que cometeu o assalto.
Há frases curtas e impactantes – “A eternidade recomeça”, “Começou a escrever ficção ali, no meio da verdade” -, há segredos e lembranças incômodas e há também detalhes que se fixam na memória, como a mãe que no velório da filha observa o machucado sem casca que ainda não cicatrizou no corpo da menina Semíramis.
Afonso cria ambientes que vão do real ao imaginário, do presente ao passado, do banal ao inesperado. Tudo pode mudar num instante, ele nos mostra, assim como a vida de seus personagens.
Oi, Afonso, tudo bem?
Terminei de ler o seu “Olhos de carvão”. É um livro que pode enganar pelas aparências: livros de contos, em geral, têm uma leitura mais rápida e, pelo número reduzido de páginas, alguém pode achar (como eu achei) que a leitura do seu livro poderia ser extremamente rápida. Mas eu nunca achei que “ler rápido” fosse um elogio, e no caso do “Olhos”, acho que essa questão fica bem marcada. Porque, embora os contos sejam bastante breves, eles demandam muito do leitor. São textos para ler e depois repousar por uma pausa. Esperar um pouco antes de entrar no próximo, onde o leitor se deparará, provavelmente, com um universo completamente distinto do anterior, e com quantidades consideráveis de informação. Fiquei espantado de ver como em tão poucas linhas você ousa, não somente contar histórias repletas de elementos e cenários diferentes, mas que também contêm dentro delas mais de um ponto de vista narrativo, mais de um protagonista com suas questões e tramas próprias. Costurar essas coisas em tão breve espaço! Não me lembro de nenhum outro caso como esse, fiquei espantado mesmo.
A orelha do Alberto Mussa é certeira quando ressalta a diversidade de temas do seu livro e diz que “o que lhes dá unidade é a persistência de um mesmo tom, e um mesmo ritmo”. Essa característica do ritmo foi uma das coisas mais notáveis para mim (talvez seja meu ouvido acostumado à música, que se atenta um pouco mais para esses ritmos das frases). As frases dentro de cada conto, cada conto dentro do livro, tudo parece contribuir para um fluxo rítmico que não se desprende da condução central. A diversidade de cenários, bem como o domínio sobre eles, é outra coisa que gostei muito no livro: Tel Aviv, Capadócia, Minas, Cartagena… passamos pelo mundo todo.
É difícil citar um conto específico como preferido, mas a abertura com “A brisa, a queda, o Gueto de Vilna” e a forma como você retratou a trajetória do Abraham Sutzkever, ligando a coroação do Nobel com todo seu passado na Segunda Guerra foi, para mim, um destaque. Uma história que muitos escritores (eu incluso) gostaríamos de ter escrito, acredito.
Espero que ainda venham muitos livros seus, Afonso. Que os “Olhos de carvão” tenha muitos sucessores à sua altura. Abraço! Rafael
“Olhos de Carvão”, do Afonso Borges, é uma viagem fantástica pelas histórias incríveis que só poderiam sair dos sonhos diários mais inesperados. O livro me abraçava em cada página, me fazia entender que bons contos tem a ver com intensidade, criatividade e surpresa. Quando acabei, senti a felicidade genuína de encontrar um escritor que, mesmo com toda bagagem literária, escolheu criar um estilo único. Não é livro de prateleira ou de fundo de gaveta, é livro para colocar no peito e sair beijando o mundo. Parabéns, Afonso! Sensacional! Abraço forte, Pedro Muriel Bertolini, poeta
Fui laçada pelo título do livro de Afonso Borges: “Olhos de Carvão”. Depois me encantei com a capa. É linda. De posse do livro, começo a leitura. Os títulos são instigantes. Têm três palavras ou três dicas para cada tema. O desenrolar do texto é de uma economia digna de um Graciliano Ramos. Frases curtas como: “o telefone insiste. Atende, agradece.” E aí eu me vejo presa na arapuca do autor, cuja prosa beira a poesia. Faço deduções apressadas sobre o texto e me deparo com enredos maravilhosos.
Chego ao conto “O Calor, as Pernas de Luisa e o Segredo do Jagunço”. Imagino uma história cheia de sexualidade e encontro outra, bem melhor, de uma sensualidade sutilmente delineada. Finalmente leio o conto tão esperado: “Na Divisa, os Olhos de Carvão em Celeste”. Tento adivinhar o que o título sugere e sou, mais uma vez, surpreendida. Os contos de Afonso Borges são como a Igreja de São José, em Belo Horizonte. Lindíssimos, “assim como os seus mistérios. Encontre-os.”
Depois do último capítulo, fico a me perguntar como o autor consegue insinuar tantas coisas em um texto tão enxuto. Mistérios da arte de escrever bem. Eu não sou a mesma depois de “Olhos de Carvão”. Entrei uma pessoa e saí outra!.
Afonso, caríssimo. Parabéns pelo belo lançamento. Acabei de ler seus contos. Uma maravilha. Parabéns, amigo. Com o coração. Abraços, (José Paulo Cavalcanti Filho, autor de “Fernando Pessoa: uma Quase Autobiografia”)
Demorei, eu sei. Mas, apesar do seu pedido na dedicatória de “Olhos de carvão” por um retorno em nota por escrito, não tinha como fazê-lo apenas com a primeira leitura que, como comentei com você no dia em que me perguntou, em um post do Face, foi engolida, em êxtase com os textos, a cada conto… Foi preciso mais tempo para sorvê-los totalmente, como devem ser. E, só agora, na estrada, no conforto de um ônibus leito, encontrei o momento e o local ideais para reler cada uma das histórias que me deixaram maravilhada, primeiramente pela forma como foram contadas, em cenas de personagens diversas e que intercaladas se complementam. E, a cada conto lido, a pergunta que não quer calar brota: de onde diabos ele tirou esta história, de que lugar da fábrica de ficção ou da vida real, ou dos dois????
Agora, sou eu quem quer saber…
E pedir: escreva mais!!!!
Parabéns, querido, e sucesso sempre!
Querido Afonso, acabo de ler seus icontos. Que felicidade! Suas histórias vão nos levando para tantos lugares! Li essa segunda parte em uma sentada. Concordo com o Mussa, não são de estreante. O “Duas mortes” me tocou especialmente, pensei tanto em vocês, que bonito é quando a dor vira literatura… Algumas frases e imagens carregarei comigo, por exemplo: “O sermão corria moralmente”, de “Na divisa, os olhos de carvão em Celeste, agora”, e tantas outras… Parabéns mesmo.
Eu não me surpreendi muito quando o Afonso me disse que estava preparando um livro. Era um segredo, que guardei, mas me pareceu meio óbvio. Alguém que vive entre livros como ele, e desde sempre, é um escritor. Aliás, conversando com ele a gente sente isso. O jeito que ele ri, o modo atento e delicado como acompanha os fios invisíveis da fala dos outros, o estilo que ele tem de ler o texto do mundo. É escritor. Nada mais natural, portanto, do que um livro do Afonso Borges na maturidade. Há textos de juventude, que são bons. Faltava agora isso.
Aí, um dia, ele me mandou a capa. Eram duas fotos possíveis. Gostei das duas, mas preferi uma. Depois o negócio do nome. “Olhos de Carvão” era ótimo. Até que um dia, outro dia aí, eu fui ler. Bem, devo confessar, ao ler eu me surpreendi. Não é que o Afonso é ainda melhor que o Afonso? Que alegria, que vivacidade, que maestria na lida com a palavra. Gosto quando ele pega uma figura que existe de verdade e inventa uma porta que ninguém tinha visto lá – e que talvez exista de verdade ela também.
O Afonso é um amigo da gente e um amigo das histórias, inclusive das histórias de gente. As histórias dele, vai ver que é por isso, também são minhas. O livro do Afonso é lindo, mas outros livros, livros a mancheia, além desse, que é do Afonso, devem muito, mas muito mesmo, ao Afonso. Ele entende do que lê e do que escreve. Nada que saísse de seus olhinhos de luz seria menos que brilhante, mesmo quando é carvão.
Li Olhos de Carvão, gostei bastante. Você buscou no espirito do hai-kai a redução máxima das suas impressões e expressões para chegar ao ponto em que toda ação termina quase antes de começar. Isso é difcil e exige 90% de esforço e talento. Você não desperdiça palavras, você as contém dentro de um invólucro só seu e tira-as de lá com aquela pinça seletiva que premia os bons. Você conseguiu. Parabéns, meu amigo.
Querido, não consegui seguir com os comentários luxuosos do autor, em tempo real, mas li seu livro e foi curioso que gostei tanto que me deu vontade de escrever também… Histórias de quase ficção, tocantes, personagens e situações incríveis, adorei de verdade. Fiquei muito orgulhosa e desejo muito que você já esteja escrevendo outras histórias! Obrigada por ter partilhado essas comigo. Espero o próximo. Beijo, amigo, Andrea (produtora cultural, RJ)
Grande Afonso, semeador de cultura,
O que é que posso dizer do “Olhos” que o Ruy Castro não tenha dito, que o Mussa não haja escrito?
Santo Deus, que coisa boa, maravilhosa.
O Mussa tem razão, absolutamente: estilo único na literatura brasileira, domínio de técnica(s) dificílima(s). O Ruy disse bem quando se referiu a uma “quarta dimensão”. Senti isso lendo os contos. Rapaaaaaz! Li o livro de um estirão só.
Me chamou a atenção, entre tantas coisas, o, digamos, rigor quase aritmético dos títulos, sempre com três elementos, em contraste com o coruscar tempo-espaço dos textos!
E os achados literários: “A espera monta refúgio no fundo da alma”, “a solidão em espiral”, o barulho da porta do camburão batendo “por toda a vida”, “nem Deus estava por ali, naquela hora”, “eles moravam na casa da memória, que só os fantasmas visitam”, “o silêncio que precede um acidente (….) são milhões de microssegundos que entram na carne e nos oosos da gente tais como agulhas”, “os asteriscos na água piscavam” etc etc.
Poderia citar metade do livro aqui.
Fui criado no interior, mas não me lembrava ou não sabia da expressão maravilhosa “falando feito pobre na chuva”, hahahaha…
Em suma, que show você deu! Prepare-se para a inevitável pressão generalizada em prol de um romance.
Que sorte ter um amigo com o seu talento.
Abraço grande e agradecido pela gentileza do envio (e da dedicatória) do 7
Afonso Borges é amigo de longa data… acho que tudo deve ter começado nas redes sociais, início do twitter no Brasil, eu agitando ETC’s, Encontros de Tuiteiros Culturais país afora… Depois disvirtualizamos sempre em ambientes literários, sua incrível Fliaraxa, quando pude viver momentos fantásticos e íntimos entre escritores no Grande Hotel charmoso e com suas águas milagrosas das Minas Gerais… Também nos encontramos no Sempre um Papo, outra marca registrada do amigo mineiro…
Agora vem nova surpresa e encontro… O amigo torna-se escritor e presenteia-nos com seus Olhos de Carvão! Olhos mágicos que penetram intimidade, cotidianos de tantos espaços e tempos…
Não há dúvida, Afonso respirou, mergulhou, penetrou profundamente a escrita e seus escritores… E de repente submerge o escritor.
Deliciei-me com seus contos curtos, às vezes surreais, às vezes de uma vizinhança da alma que nos permite emocionante identificação. Que seja primeiro de muitos livros, amigo literário que honra agora mais que nunca seu nome, Borges! E que nos motiva, convida a sempre ler e escrever.
Parabéns pela estréia cativante, amigo Afonso.
Realizador do Projeto Sempre um Papo, Afonso Borges surpreende com um livro de contos que encanta e desperta memórias fortuitas e encontros simbólicos. Em “Olhos de Carvão” apresenta uma série de pequenas narrativas que não pretendem ser mais do que são. E este é o segredo – parecer fácil sem o ser.
Lembranças fortuitas de lugares, pessoas, tempos com um quê de linguagem rápida, momentânea. São textos furtuitos de frases curtas, reminiscências da juventude do autor ou fantasias que incitam sonhos e remetem a lugares ímpares, mesmo que um destes seja a Igreja de Lourdes, em seu neogótico prosaico e cotidiano para quem sempre viveu a tacanha arquitetura da cidade que abrigou tantos talentos literários que romperam suas fronteiras. Sejam Murilos, Robertos ou Oswaldos.
Têm como uma das qualidades a despretensão. Não podemos chamar o autor de memorialista, sem classificação canônica é mesmo um contista conciso, que planeja um texto de flagrantes, que capta uma cena numa imaginação quase fotográfica.
Leitor dos seus pares, cita-os sem medo e faz com que o leitor acostumado à ficção realista ou fantástica, se sinta em casa, ali do lado da memória, sentado em uma poltrona que pode, no entanto se desgarrar e voar em devaneios. Fala de seu tempo, sua cidade, suas andanças sejam elas nos becos e encruzilhadas da sua cidade, ou templos, lugares do sagrado e da perdição. Perdição que se vê em sua vária estrada de ouvinte, de conversador espontâneo e de leitor atento.
Conhece seu ofício. Escreve como um lampejo no qual as palavras e frases curtas nos jogam no estranhamento, não estranho de contato ou de conhecimento, mas de venturas. Contos que podem pertencer a qualquer um que deposite seus olhos de vidro, azuis ou de carvão sobre suas linhas, escritas com brevidade, mas incertas como a vida contemporânea.
Eu, como historiadora, mais da arte e da cultura, e como leitora compulsiva digo que me senti livre, sem correntes ou prisões canônicas. Me vi vivenciando cenas e batendo mais um papo cotidiano, correndo o risco dos amores furtuitos, de cenas chocantes, de suspensão. Nada é datável com precisão. Rápido como um cometa, Afonso capturou mais uma leitora. Uma daquela mulheres que não se contentam com o pouco, mas conhecem o valor de cada palavra escrita, de cada parágrafo bem construído e transita do sagrado ao profano, em descontínuas e diversas poéticas, mesmo se tratando de ficção. Neste pequeno texto, agradeço a Afonso o belo presente de aniversário envolto em gárgulas, bombas e espectros fascinantes. Obrigada Afonso! (Cristina Ávila, pesquisadora)
A cicatriz de Ulisses” é um dos ensaios que mais me espanta. Primeiro capítulo do famoso Mimesis, nesse texto Auerbach investiga a narratividade (“diegesis” platônica). Comparando o relato veterotestamentário do Gênesis 22, que narra a prova de Abraão, com o episódio da cicatriz da Odisseia, a cena em que a serva Euricleia reconhece Ulisses (Odisseu) – famoso tópos homérico do reconhecimento (“anagnórisis” aristotélica).
Nessa análise, o crítico alemão demonstra que a narrativa homérica é “acabada, visível”, daí talvez o recurso de “avançar e retroceder”, de que Goethe e Schiller falavam. Na Odisseia (Canto XIX, versos 346-348), o herói, transformado em mendigo, torna-se hóspede em sua própria casa. A pedido de Penélope, sua esposa, a antiga ama, Euricleia, ao lavar os pés de Odisseu, reconhece o astucioso grego por meio de uma cicatriz de infância. Homero então retrocede à meninice do filho de Laerte, para revelar a origem desse estigma, assegurando, desta forma, a verossimilhança da narrativa. Logo após o deslocamento temporal, por meio de um simples conectivo, a diegesis retorna à cena de reconhecimento. Mas enquanto esse tópos amarra todo o poema, algo que intrigava Ítalo Calvino (Por que ler os clássicos), Auerbach, guiado por Aristóteles (Poética), notava que ele possuía uma enorme diferença em relação ao reconhecimento de Abraão.
Seguindo a narrativa bíblica, Deus prova Abraão por meio do sacrífico de Isaque, seu primogênito. A narrativa é mais lacônica – durante a travessia, não sabemos dos anseios de Abraão –, negando-se a justificar-se à verossimilhança. E o segundo reconhecimento do herói bíblico se dá com o chamado do Anjo do Senhor e com a mesma resposta: “eis-me aqui”. Segundo o crítico alemão, essa divisão por planos – o físico e o metafísico – garante a tensão da narrativa, do onde se infere ser ela uma narratividade familiar e trágica. Mas enquanto Nietzsche chamaria a isto de “criação do mundo interior”, para Auerbach essa narratividade trágica, tendo como ápice a Paixão de Cristo, é a maior de todas as tragédias. Será o fermento para a teoria mimética de René Girard.
Além de nos nutrir abundantemente, o que continua a me espantar nesse ensaio é que ele indica as narrativas que alimentam a nossa cultura. Como Jorge Luis Borges, a ela poderíamos acrescentar ainda As mil e um noites, ou mesmo os romances de cavalaria que tresloucaram D. Alonso Quixano; muitos dos quais, como Parzival de Eschenbach, entretanto, serviriam para o simbolismo de um Wagner!
Em Olhos de carvão, Afonso Borges mostra-se um herdeiro dessas técnicas narrativas. Composto por vinte e seis contos, o livro apresenta como epígrafe o Apocalípse 13:4.… e prostraram-se igualmente diante da fera, dizendo: Quem é semelhante à fera? E quem poderá lutar com ela? Nessa perspectiva apocalíptica, a violência urbana é tema marcante no livro. Ela está presente em contos como: “Assaltos, anjos e oratório” – em que a chave está na justiça angélica –, “Anjos da lei (a Milícia)” e o rilkeano “Anjo Terrível” –, “Natal, dois celulares e o marido”, “O sinal, a respiração presa, o sinal”, “Sem pensar, o féretro, depois de tantos anos” – ambos os contos recordam a tortura durante a Ditadura Militar, pedra da qual ainda se pode fazer jorrar leite e lágrimas –, “A vodca, os olhos azuis e o poema, enlouquecido” – conto de um traço bukowskiano –, “Quarenta e cinco minutos, o segredo e o vulto”, “Roberto, França e o duelo na Savassi” – conto de resgate sui generis de duelos literários, como em Noite na taverna, de Azevedo, ou em A montanha mágica, de Mann –, “Semíramis, Rio 40 graus e o colchão colorido” – conto irônico e amargo.
Com desfechos impactantes, contribuindo o inusitado, mas sem cair no insólito gratuito como sói acontecer em nossos contemporâneos, merecem menção os contos: “O radar, Roselanche e a velocidade”, “O ruído, a camionete e as crianças” e “Duas mortes, um acidente um amor, que tarda”.
Outro mote pós-moderno – as neuroses, manias e perturbações humanas – é ultrapassado com a referência mística, no belo conto “Na divisa, os olhos de carvão, em Celeste”. Este parece um conto importante para o livro por conferi-lhe o título.
Por fim, um texto curioso é o conto distópico “Se fosse antes, a lápide de concreto”; curioso não pela morbidez, mas pelas referências que nos sugerem: de Santo Antão ao homem subterrâneo dostoievskiano. Não sendo irônico como o fantástico “O Abominável Homem do Minhocão”, de Yuri Vieira, como este, no entanto, notamos como esse gênero, flertando com o apocalíptico e o político, pode dar belos frutos em nossa literatura. (Wagner Schadeck Nasceu em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL), com a Revista Poesia Sempre (BN) e com os periódicos Cândido e Rascunho. Em 2015, organizou a reedição de A peregrinação de Childe Harold, de Lord Byron, pela Editora Anticítera)
Afonso Borges reuniu um incrível recorte da psiquê humana a la Dostoiévski – ou talvez Saramago- sob um olhar único do pior e do melhor do homem. Uma pitada de Lispector , com um bocado de Drummond formam a receita desse ” brunoise” de perspectivas do universo de luz e sombra que é “Olhos de Carvão”. Simone Sena, psicanalista
A coletânea de contos Olhos de carvão, de Afonso Borges, apresenta, a despeito dos tempos líquidos em que vivemos, na vida e na ficção contemporânea, narrativas marcadas por uma “absoluta depuração”, como queria o nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade.
O estilo sóbrio, de frases curtas e sintaxe elegante, passa, ao largo da enxúndia ou da debilidade própria das letras nossos dias. Ao contrário, os contos de Afonso Borges, cuja envergadura remonta a um Graciliano Ramos a um Emílio Moura, destacam-se refrigerando a alma do leitor que, diante de modismos e academicismos pode apresentar as “retinas tão fatigadas” próprias do tempo em que vivemos.
Assim, surpreende que o conto que dá título ao livro possa ser lido como uma narrativa de terror ou como um retrato psicológico dos temores mais profundos da alma humana. O horror ali manifesto, tanto pelas imagens construídas, quanto pela ambiguidade dos signos, a partir dos sentidos quase alterados da personagem, irremediavelmente presa no tempo/espaço do conto, não encontra correspondência porque os olhos de carvão não refletem, apenas abismam. As referências a olhos e olhares, em todos os textos são um tema à parte, ora iluminando, ora turvando a leitura. Olhos de vidro, transparentes, fugidios; ou de carvão, abissais e sem alma; olhos ardendo e feridos por cacos de vidro, traduzem, a condição do sujeito em meio ao espaço urbano.
Os contos “A brisa, a queda, o gueto de Vilna”, e “Uma aura índigo serena as rochas de Göreme”, trazem um frescor imprevisível aos temas da memória, da perda e do trauma neles presentes. No primeiro, uma fantasia sobre um dos mais importantes escritores do século XX e sobrevivente do Holocausto, Abraham Sutzkever, deixa entrever, desde Tel Aviv, a costura de vários tempos/espaços na narrativa curta e, por isso mesmo, pela sua concisão, revela a maestria do narrador em atar as pontas da vida. Ao refletir sobre sua obra, o personagem escritor conclui que aqueles poemas do Gueto de Vilna eram a chave para a liberdade. No segundo conto, após a morte dos filhos e a loucura, o pai, na Capadócia, pinta anjos, arcanjos e sofrimentos nas paredes de uma gruta. Anos depois, os turcos invadem as cavernas e riscam os olhos dos filhos ali retratados. O tempo passa, pais distraídos levam os filhos para verem as cenas de martírio. As crianças escapam dos pais e, com uma caneta, devolvem em preto, os olhos aos anjos.
A lição dessas narrativas, como um cristal perfeito, parece clara e vibrante: a escrita é a morada de Deus e, por ela, o sobrevivente pode, enfim, para além da catástrofe, sobrelevar o peso do mundo.