Uma boa viagem ao País da Crônica, por Caio Junqueira Maciel

25 de setembro de 2025

Uma boa viagem ao País da Crônica

Caio Junqueira Maciel

Após a leitura das 300 páginas de No país da crônica, de Humberto Werneck ( São Paulo: Tinta-da-China, 2025), temos a satisfação de que rodamos o delicioso território de multifacetado gênero em seus quase 80 textos, distribuídos em 72 seções que contêm os assuntos ou temas das crônicas.

 

A capa verde do livro, exibindo um patinho pretinho tristonho, pode parecer, de início, estranho ao que o título sugere. Entretanto, logo nas primeiras páginas, vem a metáfora de que a crônica foi tida como “patinho feio da literatura”. Basta ler o livro para que um belo cisne surja diante do leitor.

 

Pode-se dizer que, com tal obra, Humberto Werneck inaugura uma nova abordagem desse gênero, criando um livro metacrônico. Pois é o que se lê é uma série de textos, em forma de crônica, sem nenhum tom ensaístico ou acadêmico, todo ele feito a partir do debruçar deleitoso sobre inúmeras crônicas, escritas pelo melhor time dessa modalidade literária.

 

Em alguns textos, o autor faz referências a Lima Barreto e João do Rio, que escreveram suas crônicas no início do século passado. Os cronistas contemplados são os que praticamente tornaram esse gênero bastante popular entre os anos 1940 a 1990.: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Vinicius de Moraes, Rachel de Queiroz, Antônio Maria, Clarice Lispector e, um que nunca li: Jurandir Ferreira (1906-1997), que nasceu em Poços de Caldas e era farmacêutico. Aliás, Carlos Drummond de Andrade também era farmacêutico, poeta e cronista, mas Humberto não aborda as crônicas de Drummond, ocupado que está ao escrever a biografia do itabirano. Entretanto, há muitos textos em que Drummond é o próprio assunto das crônicas.

 

Ao tratar de gênero que pode ser definido como “uma conversa aparentemente fiada”, o autor demonstra como uma crônica, originalmente “espremida entre anúncios ou noticiário cuja data de validade haverá de caducar em poucas horas” pode tornar-se eterna, sobrevivendo em livros e na memória de milhares de leitores. Para mim, que só praticamente conhecia algumas composições musicais assinadas por Antônio Maria, descobrir esse cronista foi ótimo, tanto que já estou devorando o Vento vadio, obra que reúne seus textos, muitos, inclusive, até então, inéditos.  Humberto explica que esse homem chamado Maria era um “bibliodispliscente”, nunca se interessando em guardar seus originais e enviá-los para uma publicação em livro.  Otto Lara Resende, um dos mais queridos de Werneck, aparece com profusão no livro, embora tenha estreado tardiamente nesse gênero.

 

Entre os temas abordados nas crônicas pescadas por Humberto, destacamos o Carnaval, a cidade do Rio de Janeiro, o amor, a amizade, a bebida, a falta de assunto, a tristeza, a solidão, os sonhos, a mulher, a infância, o mar, a chuva, o cinema, a gripe, a primavera. Naturalmente, a própria crônica é assunto dos cronistas, e Rubem Braga assim define a crônica, distinguindo-a dos escritores que fazem livros que são como verdadeiras casas: “Mas o cronista de jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai.”

 

Sem nunca dar spoiler, incitando o leitor a procurar as crônicas na íntegra ou nos livros citados ou no Portal da Crônica Brasileira, disponível na Internet, Humberto Werneck pinça trechos saborosos, como daquela crônica de Paulo Mendes Campos, “O pombo enigmático”, que vem andando ao encontro da pomba amada; ou das rabugices de Rachel contra JK; ou a classificação dos tipos de chatos enfileirados por Mendes Campos; ou o alumbramento de Manuel Bandeira diante dos olhos cor de piscina de Clarice Lispector…

 

A política comparece discretamente no livro, principalmente na seção dedicada ao mês de agosto. Humberto comenta que nesse mês um certo presidente varreu-se a si mesmo quem tivera como arma eleitoral a imagem da vassoura. E aqui anoto que, além de examinar bem os cronistas, Humberto entreabre seu talentoso estilo de lidar com as palavras, de humor refinado como o de Ivan Lessa, que também merece vários comentários. E fica, de Humberto, um acertado recado, endossado por vários autores: “Ninguém se iluda com a aparente facilidade de algo que no mais das vezes custou trabalho extenuante.”